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Ação no STF contesta isenção de pena para crimes patrimoniais contra mulheres no ambiente familiar
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Apresentada no Supremo Tribunal Federal – STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 1241 questiona a aplicação de dispositivos do Código Penal que permitem isentar de pena o autor de crimes patrimoniais cometidos contra mulheres no âmbito familiar, desde que não envolvam violência ou grave ameaça.
A norma está prevista no artigo 181 do CP, que isenta de pena quem comete esse tipo de crime em prejuízo do cônjuge, de ascendentes ou descendentes.
Na ação, ajuizada pelo Partido Verde – PV, a legenda argumenta que a aplicação dessa imunidade penal é desproporcional quando o crime é praticado contra mulheres, especialmente em situações de violência doméstica.
De acordo com o Partido, a norma, na prática, impede a responsabilização penal de homens que furtam ou se apropriam de bens de companheiras, esposas, filhas ou outras mulheres da família, quando o crime não envolve violência física ou grave ameaça, mantendo as vítimas em situação de vulnerabilidade.
Para o PV, essa situação contraria os objetivos da Lei Maria da Penha, que visa prevenir e combater todas as formas de violência contra a mulher. O partido solicita ao STF que reconheça a incompatibilidade dessa isenção penal com a Constituição Federal quando os crimes patrimoniais ocorrerem no contexto de violência doméstica e familiar.
A ADPF 1241 foi distribuída ao ministro Dias Toffoli.
Violência doméstica
A advogada Angelis Lopes Briseno, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que, de acordo com o artigo 181, incisos I e II, do Código Penal, não são puníveis (escusa absolutória) os crimes patrimoniais praticados contra cônjuge (na constância da sociedade conjugal) e entre ascendentes/descendentes, apresentando o artigo 183, do mesmo Diploma Legal, exceções de incidência do artigo 181, quando o crime for cometido com grave ameaça, violência ou contra idosos.
“Em um cenário constitucional e legislativo comprometido com a proteção integral das mulheres contra a violência doméstica e familiar (Lei Maria da Penha; arts. 1º, III, 5º, I, 226 § 8º CF, entre outros), a manutenção literal dessa imunidade produz um déficit de tutela penal: crimes patrimoniais perpetrados por parceiros ou familiares, desde que praticados sem grave ameaça, violência ou contra pessoas com idade abaixo de 60 anos, terminam com isenção da pena e sem responsabilização criminal”, observa a especialista.
De acordo com a advogada, historicamente, tais escusas nasceram para “preservar a unidade familiar” em códigos inspirados em arranjos patriarcais. “Essa razão de ser não se coaduna com a atual compreensão igualitária das relações familiares nem com o reconhecimento de que a família pode ser lugar de violência e subordinação feminina, exigindo resposta estatal efetiva.”
Neste sentido, ela avalia a necessidade de revisão das escusas absolutórias previstas no Código Penal para dar eficácia ao texto constitucional e infraconstitucional vigente, “e para garantir as transformações sociais advindas do reconhecimento de direitos da mulher em situações de violência patrimonial”.
Vulnerabilidade
Angelis Lopes Briseno destaca que as mulheres sofrem as consequências patrimoniais e psicológicas há anos e manter a isenção penal em vigor em casos de mulheres em situação de vulnerabilidade geram riscos sociais e jurídicos.
Entre os riscos individualizados, ela cita a impunidade estruturante. “Como existe a imunidade, a escusa bloqueia a persecução penal (investigação, denúncia e eventual condenação) de furtos, apropriações indébitas, estelionatos e outros crimes patrimoniais praticados sem grave ameaça ou violência contra mulheres não idosas por parceiros ou familiares, perpetuando ciclos de violência.”
Outro risco, acrescenta Angelis, é a proteção deficiente do Estado. “Ao retirar a via penal, o Estado falha em oferecer resposta proporcional e dissuasória, configurando violação aos deveres constitucionais de proteção e igualdade de gênero, em face da proteção deficiente.”
“Há ainda o reforço de padrões machistas e de controle econômico, pois a incidência da escusa absolutória em crimes patrimoniais mantém instrumentos de dominação econômica (retenção, subtração ou dilapidação de bens) usados para submeter mulheres, reproduzindo estruturas históricas de subordinação. Além disso, há o descumprimento de obrigações internacionais: a tolerância normativa a agressões patrimoniais domésticas colide com o dever, imposto pela Convenção de Belém do Pará, de tutela de direitos fundamentais”, elenca.
Responsabilização
A advogada Angelis Lopes Briseno comenta os efeitos práticos esperados na responsabilização penal em casos semelhantes caso a ação seja julgada procedente pelo STF. Entre eles, “a superação imediata da barreira à persecução penal, com a deflagração de inquéritos policiais e posterior oferecimento de denúncia pela prática de crimes patrimoniais antes cobertos pela escusa, viabilizando responsabilização penal efetiva”.
Angelis também cita a uniformização nacional da interpretação. “Como decisão em controle concentrado, o entendimento terá eficácia ‘erga omnes’ e efeito vinculante, eliminando divergências que levam à impunidade.”
Outro efeito, segundo ela, é o fortalecimento da rede protetiva da Lei Maria da Penha. “A esfera penal passará a integrar de modo coerente as medidas protetivas civis e de urgência, compondo resposta integral às múltiplas formas de violência, especialmente a patrimonial.”
Há ainda o reforço dos princípios constitucionais de igualdade e dignidade nas relações familiares, acrescenta a advogada. Com a retirada do manto de impunidade, ela afirma: “Laços familiares passam a não legitimar agressões econômicas contra mulheres, alinhando o Código Penal aos arts. 1º, III, 5º, I, e 226, §§ 5º e 8º da CF”.
Por fim, a especialista reconhece que adequar a legislação à Convenção de Belém do Pará e à Lei Maria da Penha (11.340/2006) reduz o risco de novas condenações ou responsabilizações no sistema interamericano.
Por Débora Anunciação e Guilherme Gomes
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